Tem dias que a gente não quer dormir, não quer descansar. A gente quer dar uma morrida. Mas não tem nenhum indício suicida no meu post. É uma morrida passageira. Morrer uns três dias direto. Porém, sem dor e sem aquele desconforto de dormir mais de 10h e acordar cansado, com o braço babado e a cara marcada. Isso também não teria na minha sugestão de óbito programado. Ninguém sofre, chora, nem sente falta. Não tem velório, nem essas coisas de flores e o caramba. Só uma leve desfalecência. Nada passa pela cabeça. Nem sonho, nem ronco, nem luz batendo na cara. Burocracia de defunto, nem pensar. Autópsia? Não desejaria isso ao meu pior sucumbido. Só aquela extinção de mim mesmo. O sublime desaparecimento em corpo presente. Daí a gente ressurge, com aquele vigor que precisava, sabe? Chega na galera e já manda aquela satisfação marota. Fala ae, pessoal. Bora tomar uma cerveja? Eles vão olhar com aquela cara de quem morreu e não foi enterrado. Mas só quem sabe a delícia de falecer um pouquinho é você. Eu queria.

Papel, tesoura, pedra

Antes que venha a mim porque eu falei, pedra.
Antes que me beije os olhos porque menti, pedra.
Antes de invadir-me porque traí…

Eu faço.

Enquanto me cobre o vermelho por ser feliz, pedra.
Durante o estômago marcado porque senti.
Ao mesmo tempo em que me abraça enquanto penso, pedra.

Eu provo.

Depois de deitado porque escolhi, pedra.
Após descansar por encarar, pedra.
Com o rosto coberto pelo lençol branco da coragem…

Eu vivo.

Conselhos

 

Quando morrer quem te odiou.

Não festeje.

Se amor e nós não rima mais.

Não ria.

Entre fogo e água

Queime-se quando todas as tentativas de afogar-se forem nulas.

Mas afogue-se.
Em amores, em fúrias, em beijos. Não em águas.

Em águas queime-se. Proteja-se quando possível.

Tome um banho. Um drink. Um tiro.

Retire-se quando o ódio te dominar.

Cale-se de vinho tinto até que a noite chegue e durma com seu livro.

Se tiver um amor a ser lido, durma ao lado até terminar os capítulos.

Aprendi três coisas até agora:

-Um barco pode navegar o mar inteiro, mas o mar sabe que não pode entrar no barco.

-Água de chuva não desbota pétala, mas água da jarra desbota.

-Não se coloca uma cachoeira numa garrafa.

Vi um pássaro no céu.
E só existe pássaro, porque tem céu.
Não havendo céu, pássaros teriam pés no chão.

Vi um pássaro no chão.
E só tem chão porque há pés de pássaros.
Se não houvessem pássaros, só haveria pés no chão.

Vi pés no chão.
Que permanecem ali quando não há céu, nem pássaros.

Poesia Subterrânea

Metrô lotadíssimo outra vez. Um senhorzinho entrou vendendo um livro de português. Pela mão erguida entre as cabeças notei que a obra era antiga e fora bem utilizada. De repente, começou a citar todas as mudanças da nova ortografia e só uma entre tantas cabeças parou para ouvir. Duas, três, quatro estações e ali estavam os dois discutindo gentilmente o tal hífen. Se divertiam. Descobri que carinho pelo próximo se escreve junto. Eu estava certo.
Ao descer, a menina tirou uma nota e colocou no bolso do idoso, dizendo: obrigado pela aula. Não sabia, mas a gentileza dela era acentuada. A mão que tremia a abraçou. Amor leva trema, aprendam.

Fiquei ali longos minutos percebendo-os.
Por isso, faço uma súplica por dias melhores: alterem a gramática!

Que sina essa de perder desde a infância?
Fase que nem se tem só se quer.
No fundo, reflexo de toda fase.
A gente perde roupa, sapato. Passa para outro perder depois.
Perde a menina que gosta.
A gente perde a prova, a vaga.
Perde a resposta. Marca errado.
Escolhe errado. No teste e na vida.
E tem diferença entre os dois?
Perde a hora, a novela. Tempo.

A gente pede o emprego que nunca quis e depois perde.
Chora por não ter algo que nem desejou de verdade.
Perde a noção.
E aí casa divide a cama, a vida. Divide até filhos.
Mas perde a luta, a chance. E aí divorcia e perde o que dividiu.
A gente pede um minuto de descanso pra se achar.
Lembrar de se perder. Que é bom quando opcional.

Daí perde peso,
Perde saúde,
Perde o cabelo,

E nessa transição,
Nesses dois pássaros voando e mãos vazias
Nesse ter e não ter
A gente percebe que perder nos deu tudo o que conseguimos.