O motivo da gente se sentir sozinho é você.

Você que acorda sem vontade de levantar e, mesmo assim, quando eu pergunto, responde tudo bem. Eu quero ouvir você dizer: Tá uma merda. Quero que você olhe pra chuva e diga: chuva não! Ao invés de fingir que ama tomar banho numa água que poderia ser seu choro. Cara, sofre! Não tá proibido. E o que eu e muita gente quer saber é que tem quem sofra como nós. Que, sim, tem dia que NÃO DÁ.
Não precisa fingir, embora pareça que sim. Pode chorar na frente de alguém. Todos nós somos fracos. Pode dizer: me atrasei porque não queria acordar. Estou mal. ESTOU MAL! Saber que você não tá legal me fortalece. Te fortalece. Ninguém tá bem. A garota ali não está. O carinha que está postando fotos da viagem também não.
Todos nós só procuramos um alívio e quem caminhe junto. Talvez assim a gente melhore. A cumplicidade é o melhor conforto que você poderia me dar. Então me mostre que você sente dor. Porque saber que eu não estou sozinho me ajuda. Deve ter alguém que sinta dor também. Isso ajuda todo mundo. Eu sofro. Só quero que você saiba disso.

Talvez te dê forças pra levantar amanhã e me ajudar a construir algo diferente.

Moço, por favor, posso fechar essa janela?

Ironicamente às oito da manhã já estava fechada e sem nenhuma permissão. Quando entrei no ônibus e meu bom dia não foi respondido, fecharam minha janela. Quando fui empurrado para que alguém chegasse mais rápido, outra vez impediram a circulação de ar. Na hora em que fui alvejado por ofensas, janela trancada. Por pouco não decepa a esperança restante. Ironicamente, oito da noite aquela senhora me olhou com frio e pediu para fechar minha janela. Eu autorizei. Virei num grato sim. Pude escolher. Fim do dia, volta pra casa. A lágrima discreta riscou fino o vidro. Aquela janela fechando, aquela sim, me abriu mil portas.

Puta da Vida

Cheiro à carne.  Dona de casa, espero.

Abre a porta. Me esfrego. Bate a porta. Bate em mim. Me fecho.

Anos atrás, relembro . Sou louça. Me quebro. Escorre a torneira, bica de olho. Me seco.

Meu sangue vermelho na sua gravata.

Saio. Pego o Zona Sul. Vieira Souto?

Volta o tempo. Vinte anos… Seu Passat em Copa. Nosso primeiro diálogo.

Quanto custa? Duzentos.

Meu batom vermelho na sua regata.

Fomos. Casamos. Morremos.

– Você não passa de puta!

Todo dia, em muitos anos, eu não passei de uma puta. Quando dá na minha cara, não passo de puta. Quando eu passo sua roupa. Filho da puta! Passo um café.

É Vieira Souto. Desço.

Quanto custa? Duzentos. Mais vinte anos.

Santa na rua, puta na cama? Sou puta na vida.

Brincar de Viver

Eu deveria ter aprendido mais com a infância.

Parece que tudo é um grande treinamento para a vida. Lembra dessas lições?

– Ela é frágil e fina. Mesmo assim dribla o vento e sobe. Sobe até que não ter mais linha. Daí percebe: alcancei o meu ponto mais alto. A pipa aprende a voar na marra, mesmo sabendo que não é pássaro.

– Frágil e pequena, corre o máximo que pode. Desvia de quem estiver tentando atrapalhar o caminho, até chegar ao fim. Tudo seria mais prático se eu tivesse entendido a lógica das bolinhas de gude que, mesmo feitas de vidro, não têm medo de bater de frente.

– Uma, duas, três vezes. Caindo, desequilibrando… É preciso recolher as pedras atiradas. Só assim se chega ao céu. Essa é a grande teoria da amarelinha.

Já crescido, percebi que primeiro a vida ensina brincando. Depois ensina batendo.

A gente escolhe a melhor forma de aprender.

Evaporar

Quando eu era criança acreditava que a chuva era o choro de Deus.

Minha verdade era muito mais interessante, embora eu saiba que fazer evaporar é mais sábio que chorar.

Quem me dera transformar em nuvem tudo o que te tira lágrimas.

Redondamente Atrasado

São 6h ou 6h20. Tanto faz. Já me atrasei. Corro apático para o metrô e entro no último vagão que, como o tempo, quase não espera. É preciso estar no momento certo ou simplesmente perder o trem. O que passa lá dentro? Você nunca saberá. Assim eu também não sabia. Das janelas quadradas vi rostos sem forma ou rosto. Não sei. Pareciam iguais ou igual. Enquanto dizem que tudo na vida se encaixa, lá estava eu, quadrado também. Acinzentei. Entrei. Duas estações depois, um poeta. Tocava o violino como se me olhasse e, sim, a expressão redondamente fez sentido. Tocar poesia era pouco. Ele violinava. Como ser circunferência entre tantas quadradezas? Quase me cai uma lágrima, mas era quadrada demais para os olhos. Entalei um choro. Ainda estava atrasado e cinza. O tempo de emocionar já tinha passado. Só queria chegar.

Para onde vão as aves? Era uma das estrofes. Por isso o mundo assim está. Outra. Era espanhol. É preciso saber pedir, cantar e recitar poemas. De onde viemos? Para onde vamos? Tudo o que eu sei é estar aqui e amolecer quadrados até que se arredondeçam. Como bolhas de sabão ou dois arcos-iris unidos. O mundo só gira redondo.

Cheguei na estação cansado de apanhar de poesias. Que ousadia bater com sentimento. Não sangra nem cicatriza. Como provo a agressão? Saio ferido num sol de abrir os olhos. Pus meus óculos escuros. Lentes quadradas. Redondamente enganado. Fui viver mais um dia. O ponteiro deu uma volta… 7h, 7h20. Redonda? Tanto faz. Já me atrasei.

Minhas Não Realizações

Pensei ser do tipo que só escreve em momentos especiais. Me peguei selecionando vivências.

Que excludente. Logo eu, militante da igualdade, definindo especialidades e magoando os momentos. Uns mais importantes que os outros? Até parece.

Fiz uma lista de desejos para o próximo ano, depois peguei as últimas cinco. 2010, 2011, 12, 13, 14…

Li. Reli. Realizei pouca coisa. Fiz o que nem escrevi.

Minhas listas de fim de ano só servem para uma coisa: me tirar o controle.

Agora é o momento que me julga especial ou não.

Especial para reparar e estar pronto para o que acontecer. Me envolva como puder e quiser.

Seremos eu e a lista de coisas que não se cumprirão.

Daqui por diante tudo o que eu não fizer será minha realização.

Para ouvir:

Divino Trato

Entrei num acordo com Deus. Topei a proposta. Parece que estou cercado de gente boa.

Então, entramos num consenso. Vamos distribuí-los.

O mundo precisa conhecê-los. Cada um foi mandado pra um canto.

Bondade distribuída. Gentileza compartilhada.

Trato feito.

Não há música com o nome dela
Nada de clássico, nem bossa nova, nenhuma MPB
Tudo é ridículo! Assim como as cartas de amor.
E mais: como o próprio amor é. Eu sou.

Se ela pertence a Júlio, Querubim, sei lá quem.
Já não pertence a mim.
E sendo julho esse inverno, ela naquele frio.
Mas eu, assim, em chamas.

Jogando lenha, sentindo.
Esperando uma deixa, um dia.
Antes que eu morra de frio
Queimando as cartas de amor
Ridículas, como eu.

Asas da liberdade

– Pai, solta a canarinha.

– Não posso, filho. Tem mais de dez anos. Não sabe mais viver lá fora.

Pula do poleiro, canarinha. Se mexe! Que saco essa sua vida. Alguém te dá água; alguém te dá comida. De vez em quando uma fruta, de quando em vez um alpiste.

Mais um pulo do poleiro.

Ah, se você soubesse que pode voar, se virar sozinha. Ah, avezinha…

Na tardinha ela se afina. É dia de espetáculo.  

E vestida assim, de amarelo, ela só pode ser artista. Atrás das grades também tem show.

Mas não é uma prisão, é uma gaiola.

O que é diferente. Aqui, é a casa dela. Ela mora em sua própria cela.

E qual foi o crime? Ser livre.

Canarinha da  gaiola não canta, chora.